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segunda-feira, 26 de março de 2018

Precisamos superar a falta do vermelho


Pedro adora pintar. Uma das coisas que ele mais gosta de fazer é passar um tempo com seus quase 50 lápis de cor e uma boa figura para colorir.

Numa tarde chuvosa, Pedro decide pintar várias figuras com seus lápis. Ele espalha os tantos lápis pelo chão e começa a colorir. No meio da bagunça ele percebe que o lápis vermelho sumiu. Pedro começa a procurar pelo lápis vermelho, mas não acha ele em lugar nenhum. Ele quer e quer e quer o vermelho, precisa do vermelho!

E de repente, todos os outros lápis perdem o valor. Tudo porque o vermelho sumiu.

O laranja está ali. O rosa está ali. Tem até 2 tipos de azul, 3 tipos de verde... mas o vermelho sumiu.

Então Pedro fica triste, e pintar já não tem tanta graça.

Porque o vermelho sumiu.

Agora imagina que Pedro é a gente, e os lápis são nossos desejos, nossos sonhos, amigos, bens, conquistas... tudo o que faz a gente ser feliz.

Temos 30 blusas diferentes, mas não ter aquela x faz a gente triste.

Lutamos pra tirar todas as notas mais altas possíveis, e mesmo com muitos 10 espalhados por aí, vem aquele 5 e o fim do mundo está instaurado.

Estamos rodeados por várias pessoas que nos amam e nos querem bem, mas quando um amigo faz algo que tu não espera e te deixa meio chateado, parece que os momentos de alegria que o resto das pessoas te proporciona não é mais tão alegre assim.

Pode ter 40 lápis por perto, mas a gente sempre desanima porque o vermelho resolveu sumir.

E de uma hora pra outra a gente esquece que pra pintar um arco-íris a gente precisa de mais de uma cor. A gente não pensa que se aquele desenho não pode ter vermelho, pintar ele de laranja pode deixar tudo mais bonito. Focamos sempre no que falta, no que deixa a gente meio desanimado, e ignora o que está ali por perto deixando nosso mundo colorido.

Pessoas vão te desapontar, sonhos vão mudar e metas vão ser cada vez mais difíceis de alcançar.

É mais fácil aceitar que o vermelho as vezes vai rolar pra baixo de um sofá, e quem sabe tu só vai achar ele semana que vem, fazer o quê? Mas nesse meio tempo tu espalhou azul, verde, roxo, amarelo e laranja pelo desenho todo. E ficou maravilhoso!

Quando a gente se esforça um pouquinho mais e começa a focar mais no "desenho" todo, fica mais fácil apreciar de fato o que nos faz feliz. E fica muito mais fácil respirar fundo, refletir, e deixar mais de lado aqueles pequenos pedacinhos do dia que nos deixam pra baixo. Aqueles tropeços na vida, aquelas tristezas, aquelas mágoas que surgem de vez em quando...  A gente então desenvolve um novo olhar, muito mais  "artístico", e percebe que um mundo colorido se faz de várias cores.

E acaba se perguntando: por que eu queria usar o vermelho mesmo?  

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Sobre se permitir

São 23h57 de uma quinta-feira chuvosa em Florianópolis.

Eu devia estar tratando uns dados para colocar da dissertação, mas acabei me perdendo no mundo do YouTube. Perdi o horário vendo um vídeo atrás do outro de danças e coreografias, principalmente do grupo de dança, recheado de dançarinos dum lugarzinho muito especial que me acolheu no início do ano passado.

Não é de hoje que a dança me fascina. Quem me conhece sabe que meu sonho utópico é a Beyoncé me achar no mundo e falar "vem divar e dançar comigo nos shows da vida". Já fiz dança quando pequena, mas não foi ali que o amor pelos ritmos, passos e músicas nasceu. Eu não sei dizer quando foi. Mas quando vi eu estava suspirando assistindo apresentações de dança, sentindo o coração acelerado com as batidas das músicas, e delirando com os passos sincronizados dos bailarinos.

Não sei porque não comecei a dançar antes... Ou melhor, sei bem. É meu sentimento de incapacidade: parece que nunca vou conseguir mesmo, então nem vale a pena o esforço. Com a dança eu sentia o mesmo.

No começo a desculpa era que eu não ia aguentar, imagina, a gordinha dançando, bem capaz. Quando eu emagrecer eu começo. Deixa pra depois.

Depois, o tempo. Escola, faculdade, precisava dormir, comer, estudar... prioridades. Dança? Deixa pra depois.

Depois, a desculpa era o dinheiro. Pagar aluguel, comida, roupas, contas de luz, condomínio... vou gastar mais ainda em aula de dança? Deixa pra depois.

Então que um sentimento de necessidade real surgiu em mim no início do ano passado. Eu já fazia academia, vôlei, estava no meio do mestrado, não estava magra o suficiente, sem preparo físico pra tal, ainda pagava aluguel, condomínio, luz... Continuava sem tempo, dinheiro e "forma física adequada", mas um sexto sentido, e agora sei, uma pontadinha do destino (e uma ajudinha da Nicole, gratidão eterna) me levou pra Semana de Portas Abertas da Kirinus.

Eu lembro certinho da expectativa por aquela semana. Eu lembro de marcar na agenda os horários e dias das aulas que eu tinha gostado, e da sensação de estar sozinha rodeada de gente quando cheguei na escola pela primeira vez. Eu sou bastante retraída em situações novas, e sem conhecer quase ninguém, entrei quietinha, fiquei olhando as aulas pelas salas, vendo todo mundo lá se cumprimentando, abraços apertados e beijos pra todos os lados. Parecia que eu tinha entrado num grupo que se conhecia há anos, que se amava, que era uma família.

E eu estava certíssima!

Demorei a me acostumar com todo o afeto contido dentro de todas aquelas paredes espelhadas e pisos encerados. Cada turma, as vezes misturas de turmas, professores, alunos, funcionários... todos uma grande comunidade, unida pela dança. Pensar nisso agora me emociona, percebendo mais uma vez o que a dança faz.

Cada aula nova eu ia experimentando sensações diferentes. Ficava pasma com a habilidade e a dedicação dos professores, impressionada com a emoção e o nível alto dos alunos de lá. Finalmente eu estava no mundo maravilhoso da dança! Olhar eles parecia deixar tudo tão fácil! Mas claro que, como toda novidade, tinha dificuldades  imensas: nos passos, posturas, nos muitos alongamentos, rolamentos, agachamentos de salto, o calor das salas cheias... Tudo isso foi criando em mim uma vontade ainda maior de estar lá, mesmo que ainda quieta e "na minha".

Depois de alguns meses lá, eu já tinha aprendido umas das coisas que mais me ajudou na vida: liberdade. A vergonha ainda existia, mas era cada vez mais fácil "não pensar" e simplesmente deixar o corpo agir. "Cada corpo é diferente", "ninguém dança igual", "não tenha vergonha de parecer esquisito. Todo mundo é esquisito", "seu corpo é teu, tem que sentir isso, vocês são poderosas" e muitas outras frases foram entrando na minha mente e me libertando de pequenas amarras que me prendiam, que eu mesma tinha atado, apertadinho, ao longo da vida.

O choque real de realidade do que a dança fez e faz comigo veio em dezembro, depois de 10 meses de dança na Kirinus.

Começou no dia 17, no domingo da apresentação de final de ano que eu estava tão ansiosa! Depois de sair suada do palco, cansada, mas com um sorriso gigante, eu ouvi tanta coisa boa, recebi tanto carinho daqueles que foram me ver, e dos que me viram por vídeos depois... E descobri uma capacidade em mim de passar emoções que eu não sabia que podia sentir, que eu não sabia que podia passar pra alguém, ainda mais pela dança.

Mas foi dois dias depois, sentada de olhos fechados no centro da roda, cercada por pessoas que na maioria só tinham me visto dançar no dia 17 no teatro, que a ficha realmente caiu.
A dinâmica se baseava em fechar os olhos enquanto as pessoas falavam aquilo que sentiam ou achavam de você.
E foi ali, sentada no chão, de olhos fechados, que ouvi várias vozes dizerem que eu era "talentosa e confiante."

O choque foi tão grande que meu coração acelerou.

Talentosa. Confiante.

A mesma pessoa, que mesmo apaixonada por dança, nunca tinha ido fazer o que gostava por se sentir "errada" demais pra dançar.

Aquela mesma pessoa que por vergonha desviava os olhos e dava sorrisinhos pro chão entre as aulas.

Aquela mesma pessoa insegura com o corpo, com as atitudes, com o que as pessoas poderiam pensar.

Aquela mesma pessoa, que unia todos esses sentimentos construídos dentro de si, quando dançava, passava confiança. Simples assim.

Aquelas palavras foram os primeiros golpes nesses sentimentos ruins que me pertenciam. Eu decidi que queria ser mais aquela pessoa confiante, e que conseguia passar isso pros outros pela forma do corpo (e por quê não da alma?) de se expressar.

Além de tudo mais, é por essa razão que eu só tenho que agradecer eternamente a cada pessoinha da Kirinus que ajudou a construir essa confiança em mim, mesmo sem eu perceber. De verdade. Nem acredito que ainda não faz 1 ano que estou dançando e já me sinto tão melhor! Obrigada por me ajudar a mudar. Muito obrigada!

Mas é claro que como qualquer mudança boa, todo dia é uma pequena luta. Pode ser pra ser mais confiante, para se sentir mais seguro de si, sentir que é capaz, qualquer coisa que você queria sentir, qualquer coisa que você saiba que PRECISA sentir.

Não é fácil. Não é de um dia pro outro. Não é sozinho. Mas cá entre nós, olha eu aqui lutando. Basta se permitir. E o que permitiu isso em mim foi a dança.


E pra você, vai ser o quê? 

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Independência ou morte! Será?

Acabei de chegar em casa. Tive vôlei e tudo mais, mas fui de olhos ainda um pouco inchados de chorar. Mais cedo, no laboratório, tive uma crise de desespero (fim de mestrado né, mores, praticamente surtei na bancada em cima de dados e mais dados de experimentos). Comecei a me sentir o ser humano mais inútil do planeta química. Entre lágrimas e soluços, a ladainha se resumia em "sou uma fraude", "não sei nada de química", "não consigo nem ajudar minha irmã com química na escola, como que eu me formei nesse curso?", "sou uma mentira" e, o mais repetido, "não sei fazer nada sozinha nesse laboratório". A inconformidade era com a minha dependência frenética dos meus colegas para experimentos, análises, explicações, tratamento de dados e blábláblá. Minhas amigas me consolando e me desmentindo, uns ameaçando me bater, mas eu continuava chorando.

Passados alguns minutos, a medida que fui me acalmando (e gastando menos papel na saga secar lágrimas...) alguns pensamentos foram indo pro seu devido lugar...

O gatilho da choradeira foi o desespero por depender 90% dos outros pra trabalhar/terminar meu TCC/terminar meu mestrado/fazer qualquer coisa. Eu chorei porque estava muito, muito, muito chateada por não saber tratar dados da famigerada titulação que tem me deixado no laboratório em média 10h por dia na última semana... Titulação essa que eu tive que pedir ajuda pra fazer, óbvio, porque eu NUNCA tinha visto ninguém fazer, quem dera eu já ter feito.
Então eu fui percebendo que sim, eu tinha precisado de ajuda pra primeira vez... mas de lá pra cá eu já repeti o experimento 2 vezes e sozinha... E não precisei mais de ajuda... Das 3 vezes que eu fiz, em apenas 1 delas eu precisei de apoio. E só no começo. 33% das vezes com ajuda, contra 67% "voando solo".

As lágrimas, de vez, começaram a secar...

Segundo pensamento forte que surgiu na minha cabeça: mães.

Não há no universo mulher que saiba ser mãe. Que nasceu prontíssima pra isso. Das que podem ter auxílio, 100% ouve conselho, pede ajuda, faz curso, pede ajuda, chora muito, pede ajuda... pra amiga, prima, mãe, avó, tia, vizinha, cachorrinha... se já pariu ela pede socorro! Agora me diz: isso torna cada mulher-mãe desse mundo um ser incompetente? Por ela pedir ajuda pra ser uma "mãe melhor" nas primeiras experiências, isso faz dela o RESTO DA VIDA COMO MÃE uma 'não-mãe'? Se ela não correu atrás e aprendeu sozinha, ela não é mais uma mãe? Por que DIABOS eu, quando peço ajuda pra fazer uma cinética, que nunca vi na vida, vou ser menos química que a pessoa me ajudando???

Agora escrevendo isso chega a ser dolorido de pensar que eu estava me julgando tanto assim horas atrás! Isso vale pra TUDO na vida! No Masterchef ontem, por exemplo... todo mundo pedia conselho pro Chef-Mor Fogaça na prova, porque ele sabia melhor como fazer o que todos estavam fazendo (experiência, meu bem!)... isso não fez de nenhum dos participantes menos chef de cozinha... Pelo contrário, depois das dicas, cada um fez seu trabalho deliciosamente bem. 

Eu não sei você, mas eu percebi hoje que estava confundindo incapacidade com inexperiência. Acabei de passar por isso. Não saber fazer algo que nunca fiz não me torna incapaz de fazer aquilo, apenas inexperiente. Ao invés de gastar meu tempo e energia lutando pra descobrir ou fazer algo sozinha, se eu perguntar pra alguém ali do lado que sabe e está disposto a mostrar, por que tenho que ficar me remoendo? Muito mais esperto pedir ajuda. Quando aprender, vou fazer de novo, sozinha, e vai dar tudo certo. E se eu esquecer, vou perguntar de novo, e reaprender com quem tem mais EXPERIÊNCIA, e também vai dar tudo certo! Isso é um fato, apenas.

Mas não... A gente fica o tempo todo buscando uma independência, uma falsa pró atividade, que não nos torna melhor ou pior que ninguém, apenas nos transforma em pessoas mais isoladas e caóticas.
Se a gente colocasse de uma vez por todas na cabeça que pedir ajuda, aprender com os outros, agir em conjunto, não te faz pior, mas sim melhor, não teria pessoas como eu e muitas outras chorando por aí desesperadas se sentindo burras ou inúteis. Teria gente com mais tempo livre, relações melhores no trabalho, e adivinha? PESSOAS COM MAIS EXPERIÊNCIA SURGINDO. Porque se um dia tu pergunta, no outro tu pode ser quem responde... Ciclo do aprendizado. Não precisa ficar nessa loucura de fazer tudo sozinho, nunca pedir ajuda, ser independente totalmente. Tem coisas que tu tem que ser ajudado, outras quem ajuda é você, e nada disso te faz melhor ou pior que ninguém, te faz apenas o ser humano que tu é, com dificuldades em algumas coisas, facilidades em outras, e vivendo e aprendendo.

Vivendo.

Aprendendo.


Pra quê dificultar?