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quarta-feira, 18 de maio de 2016

Desabafo

Chorei no final do RPM hoje.

Até aí nenhuma novidade... terminava essa aula tão cansada e tão frustrada que eu chorava. Mas fazia umas semanas que eu não chorava mais. Apenas pedalava. E suava. E terminava a aula exausta. E deu.

Mas hoje chorei.

Mas foi um choro diferente. Chorei rindo. Chorei feliz. Chorei realizada.

Mas depois chorei angustiada
.
Chorei a angústia... coloquei pra fora.

Chorei porque lembrei.

Rolha de poço, baleia, gorda. Nunca me chamaram assim. Nunca ouvi as pessoas me chamando ofensivamente por apelidos relativos ao meu corpo. Mas sofria igual. Aos 9-10 anos de idade, tinha menos de 1,50m de altura e uns 60 kg. Era gordinha, fato. Dentro daqueles cálculos doloridos de IMC, era quase obesa. Ou seja, eu estava errada. Fora do padrão.

Mas por que eu não achava isso?

Não via nada de errado. Eu brincava na rua, andava de bicicleta, corria no pega-pega. Tinha dois braços, duas pernas, uma visão boa (não usava óculos ainda)... então não achava que tinha nada de estranho comigo. Eu era maior que as minhas amigas. Tinha mais barriga. O que isso tinha de mais?
Depois dos 10 anos a coisa mudou... a cultura do corpo magro e perfeito me atingiu quando eu só queria brincar de bonecas e correr na rua. As comparações com as minhas amigas foram se tornando cada vez mais forte. Elas, magras. Eu, gorda. A atenção que um corpo magro chamava começou a crescer e minha neurose com o corpo também.
Com 11 anos, eu só queria chorar. Comecei a academia induzida de que ia emagrecer. Isso aos 11 anos! Desisti dela nem lembro mais porque. Mas lembro de odiar 90% do tempo lá. Peguei ódio das aulas de Jump, que só fui largar meses atrás, graças ao lindo do Raul, que me fez enxergar que pular naquela cama elástica só me faria bem se eu quisesse estar lá (o que hoje amo!), e não pelo fato de que, automaticamente estando em cima dela, isso significa que eu era gorda e todo mundo de achava feia.

Além desse tempo na academia que eu odiava, o que mais me marca dessa época, e ainda dói, eram as comparações. Na cara. Como um tapa bem forte. Não sei o que as outras crianças viam na TV na época, se assistiam jornais e as reportagens que passavam... Eu não gostava. E passei a odiar. Cada vez que alguém me chamava para assistir algo na TV, com a dolorida frase "olha isso aqui Sheila, presta atenção aqui um pouquinho", eu sabia o que era. Virou costume. Virou dor. E lá ia eu, prestar atenção nas reportagens... sobre obesidade mórbida. Eu, aos 11 anos, era comparada à obesos. Tinha que sentar no chão, engolir o choro, e assistir aquelas pesquisas, que enquanto o jornalista fala sobre, vai mostrando gente obesa, andando pela rua, sem mostrar o rosto, com índices de mortes e doenças cardíacas. E ainda ouvia, no final da centésima reportagem que via sobre o mesmo tema: "Viu? Tem que cuidar." com uma olhada de cima à baixo.

A sequência dessas "visitas à televisão" eram sempre as mesmas: eu concordava rapidinho, falava que tinha que ir pro quarto pegar uma coisa, e chorava. Chorava baixinho, pra ninguém ouvir. E aprendi a me odiar. Odiar meu corpo. Odiar quem me fazia pensar que eu era igual aquelas pessoas de 180 kg. Acredito em Deus, e era uma boa aluna, o que me fazia implorar, em meio as lágrimas, que Deus me deixasse mais magrinha tirando um pouco da minha inteligência. Não entendia porque não podia ter nascido magra ao invés de esperta. Implorava por isso. Queria ser mais magra. Não ser mais obesa. Queria gosta de mim. Porque, com menos de 15 anos de vida, eu já não suportava viver no meu corpo.

Aos 12 anos, um médico me receitou subtramina. Uma porcaria que me fez emagrecer, e ouvir as pessoas dizendo "nossa, como tu tá bonita agora". Só agora. Porque óbvio, como eu era gorda, eu era feia. Não dá de ser bonita gorda, claro. Na minha mente isso estava claro.

O uso do remédio durou menos de 1 ano. Aquela porcaria começou a me dar alucinações e me deixava fraca. Uma porcaria que abandonei, e que fez com que eu engordasse mais ainda. 13 anos, e de volta ao inferno.

Nessa época meu cérebro já estava totalmente contaminado, com um veneno que ainda hoje, aos 21 anos, não me deixa totalmente livre. Tenho que dizer que nesses anos que se passaram, uma das coisas que mais me salvou foi o vôlei. Se não tivesse começado a jogar, não teria me sentido incluída em algo que me fazia tão bem. Mas mesmo nele eu sofria. Os uniformes eram feitos num tamanho padrão para "pessoas normais naquela idade" e eu tinha que jogar com algo colado. Morria de vergonha, mas a vontade de jogar era maior e eu tentava, em vão, ignorar os gritos e os xingamentos de "gorda, não sabe jogar" que eu ouvia. Pessoas podem ser malvadas com essa idade e em competições, mas acredito que muitos dos xingamentos vinham da minha própria mente, e não de terceiros nas arquibancadas.

Uma parte do meu cérebro aprendeu a me destruir, a falar o que me colocava pra baixo. E essa parte crescia. E acertava cada vez mais. Fiquei assim, odiando a mim mesma 200 dias dos 365 que tem no ano, desde esse tempo até a metade da faculdade, aos 18 anos. Antes disso, mesmo em Floripa, feliz e fazendo o curso que gostava, aquela parte do meu cérebro, forte, destrutiva, conseguia me jogar no chão do apartamento, chorando mais uma vez, cansada do dia todo estudando, lutando comigo mesma pelo fato de não querer ir correr na beira-mar. Chorava por horas, me xingava de preguiçosa, gorda, que ia morrer sozinha, que ninguém nunca ia me amar gorda assim, que não podia mais comer... tudo isso por horas, sozinha, no chão frio, até secar todas as lágrimas e desistir. Passava a angústia, o outro dia parecia mais ensolarado, mas durava pouco. E tudo voltava. E o círculo vicioso da culpa e da raiva de ser eu voltava, assim como aprendeu a voltar desde os 10 anos.

Saindo dos 82kg de caloura, cheguei aos 62kg no início de 2014. Alguns amigos, rindo, perguntavam se eu estava usando cocaína para ter perdido tanto peso. Minha mãe, muito séria, perguntou se eu tinha conseguido a receita pra subtramina mais uma vez. Neguei aos dois. O real motivo é que voltei ao vôlei naquele tempo, e comia pouco. Mas comia muito pouco. Almoçava, comia uma bolachinha, e só ia comer no café da manhã do dia seguinte, jogando vôlei no mesmo dia. Não desmaiava por aquela premissa do "mais sorte que juízo". 20 kg a menos em 1 ano e meio. Saudável? Nem tanto.

Em agosto de 2014, voltando dum congresso aonde comi o tempo todo, e já tendo isso em mente a algum tempo pelas oportunidades que a cidade permitia, decidi entrar na Academia da UFSC. Entrei principalmente para tentar firmar o corpo pós perda de peso, mas também por causa de uma "tal aula de dança que parecia legal". (Quem me vê agora, enlouquecida pelo BodyJam não imagina que faz menos de 2 anos que conheci a minha aula favorita das aulas de ginástica da vida. Valeu LesMills! ) . Os meses de musculação foram me fazendo gostar dessa vida "atlética". Eu então jogava vôlei e ia pra musculação e a aula de dança. E assim foi até as aulas de ginástica serem tiradas da academia, mas com a promessa de que iam ser oferecidas numa nova academia, que ia abrir em janeiro, e que tinha desconto para os alunos da academia da UFSC. E desse jeito eu acabei na Run, em janeiro de 2015.

Em janeiro, eu já tinha passado por algumas transformações internas, e externas também. Do mesmo jeito que quando a gente quer lembrar de alguma coisa a gente deve tentar parar de lembrar que a coisa surge, o fato de eu ter parado de tentar emagrecer me fez perder peso e eu estava mais tranquila comigo mesma. Não, eu não tinha me curado completamente, e mesmo hoje ainda tenho uma parte de mim que me deixa angustiada e com raiva do meu corpo. Mas ela está cada vez menor. Muito disso, nesse último ano e meio, graças ao pessoal da Run. Essa academia que destruiu todo os estereótipo ruim que eu tinha construído anos atrás. Essa família que me recebeu e me atende como se eu fosse a única cliente de lá. Hoje consigo ir feliz para fazer algo que tempos atrás me fariam apenas chorar e me sentir mal. Hoje gosto de ser assim, chata de tanto exercício, chata de tanta academia e papo fitness. Aprendi a amar estar em constante movimento. Nesse um ano e meio, não tenho como não agradecer de joelhos... ou melhor, fazendo uns afundos, ao João e a Helô, assim como cada um que me dá um sorriso quando chego lá, pelo meu estado de espírito atual. João por me aconselhar quando eu chorava de angústia no RPM e a me fazer entender que buscar o corpo ideal não tinha que ser na base do sofrimento, e que desse jeito nem valia a pena. E agradeço a Helô, essa diva maravilhosa, por fazer eu continuar tentando me superar cada vez mais e a chegar aonde estou hoje: feliz. Magra? Ainda não. Satisfeita? Talvez nunca estarei. Mas feliz. Muito feliz.

Hoje, depois de muito tempo, me sinto bem. Graças ao apoio eterno dos meus amigos, que com palavras doces secavam minhas lágrimas, e ao apoio desses profissionais que me cercam, eu estou conseguindo superar meu maior inimigo contra meu bem-estar: eu mesma. A luta vai sempre continuar, porque o fato de eu ser perfeccionista não ajuda em nada. Mas agora a luta é leve. É só uma batalha pequena... não aquela guerra nuclear que estava me matando aos poucos. Agora está mais fácil ser eu, pra mim, e só pra mim. E estou gostando disso. Estou gostando de mim.

E não vou chorar mais.


Só porque chorei no final do RPM hoje.