São 23h57 de uma quinta-feira chuvosa em Florianópolis.
Eu devia estar tratando uns dados para colocar da
dissertação, mas acabei me perdendo no mundo do YouTube. Perdi o horário vendo um vídeo atrás do outro de danças e
coreografias, principalmente do grupo de dança, recheado de dançarinos dum
lugarzinho muito especial que me acolheu no início do ano passado.
Não é de hoje que a dança me fascina. Quem me conhece sabe
que meu sonho utópico é a Beyoncé me achar no mundo e falar "vem divar e
dançar comigo nos shows da vida". Já fiz dança quando pequena, mas não foi
ali que o amor pelos ritmos, passos e músicas nasceu. Eu não sei dizer quando
foi. Mas quando vi eu estava suspirando assistindo apresentações de dança,
sentindo o coração acelerado com as batidas das músicas, e delirando com os
passos sincronizados dos bailarinos.
Não sei porque não comecei a dançar antes... Ou melhor, sei
bem. É meu sentimento de incapacidade: parece que nunca vou conseguir mesmo,
então nem vale a pena o esforço. Com a dança eu sentia o mesmo.
No começo a desculpa era que eu não ia aguentar, imagina, a
gordinha dançando, bem capaz. Quando eu emagrecer eu começo. Deixa pra depois.
Depois, o tempo. Escola, faculdade, precisava dormir, comer,
estudar... prioridades. Dança? Deixa pra depois.
Depois, a desculpa era o dinheiro. Pagar aluguel, comida,
roupas, contas de luz, condomínio... vou gastar mais ainda em aula de dança?
Deixa pra depois.
Então que um sentimento de necessidade real surgiu em mim no
início do ano passado. Eu já fazia academia, vôlei, estava no meio do mestrado,
não estava magra o suficiente, sem preparo físico pra tal, ainda pagava
aluguel, condomínio, luz... Continuava sem tempo, dinheiro e "forma física
adequada", mas um sexto sentido, e agora sei, uma pontadinha do destino (e
uma ajudinha da Nicole, gratidão eterna) me levou pra Semana de Portas Abertas
da Kirinus.
Eu lembro certinho da expectativa por aquela semana. Eu
lembro de marcar na agenda os horários e dias das aulas que eu tinha gostado, e
da sensação de estar sozinha rodeada de gente quando cheguei na escola pela
primeira vez. Eu sou bastante retraída em situações novas, e sem conhecer quase
ninguém, entrei quietinha, fiquei olhando as aulas pelas salas, vendo todo
mundo lá se cumprimentando, abraços apertados e beijos pra todos os lados. Parecia
que eu tinha entrado num grupo que se conhecia há anos, que se amava, que era
uma família.
E eu estava certíssima!
Demorei a me acostumar com todo o afeto contido dentro de
todas aquelas paredes espelhadas e pisos encerados. Cada turma, as vezes
misturas de turmas, professores, alunos, funcionários... todos uma grande comunidade,
unida pela dança. Pensar nisso agora me emociona, percebendo mais uma vez o que
a dança faz.
Cada aula nova eu ia experimentando sensações diferentes. Ficava
pasma com a habilidade e a dedicação dos professores, impressionada com a
emoção e o nível alto dos alunos de lá. Finalmente eu estava no mundo
maravilhoso da dança! Olhar eles parecia deixar tudo tão fácil! Mas claro que,
como toda novidade, tinha dificuldades imensas:
nos passos, posturas, nos muitos alongamentos, rolamentos, agachamentos de
salto, o calor das salas cheias... Tudo isso foi criando em mim uma vontade
ainda maior de estar lá, mesmo que ainda quieta e "na minha".
Depois de alguns meses lá, eu já tinha aprendido umas das
coisas que mais me ajudou na vida: liberdade. A vergonha ainda existia, mas era
cada vez mais fácil "não pensar" e simplesmente deixar o corpo agir.
"Cada corpo é diferente", "ninguém dança igual", "não tenha
vergonha de parecer esquisito. Todo mundo é esquisito", "seu corpo é
teu, tem que sentir isso, vocês são poderosas" e muitas outras frases
foram entrando na minha mente e me libertando de pequenas amarras que me
prendiam, que eu mesma tinha atado, apertadinho, ao longo da vida.
O choque real de realidade do que a dança fez e faz comigo
veio em dezembro, depois de 10 meses de dança na Kirinus.
Começou no dia 17, no domingo da apresentação de final de
ano que eu estava tão ansiosa! Depois de sair suada do palco, cansada, mas com
um sorriso gigante, eu ouvi tanta coisa boa, recebi tanto carinho daqueles que
foram me ver, e dos que me viram por vídeos depois... E descobri uma capacidade
em mim de passar emoções que eu não sabia que podia sentir, que eu não sabia
que podia passar pra alguém, ainda mais pela dança.
Mas foi dois dias depois, sentada de olhos fechados no
centro da roda, cercada por pessoas que na maioria só tinham me visto dançar no
dia 17 no teatro, que a ficha realmente caiu.
A dinâmica se baseava em fechar os olhos enquanto as pessoas
falavam aquilo que sentiam ou achavam de você.
E foi ali, sentada no chão, de olhos fechados, que ouvi várias vozes dizerem
que eu era "talentosa e confiante."
O choque foi tão grande que meu coração acelerou.
Talentosa. Confiante.
A mesma pessoa, que mesmo apaixonada por dança, nunca tinha
ido fazer o que gostava por se sentir "errada" demais pra dançar.
Aquela mesma pessoa que por vergonha desviava os olhos e
dava sorrisinhos pro chão entre as aulas.
Aquela mesma pessoa insegura com o corpo, com as atitudes,
com o que as pessoas poderiam pensar.
Aquela mesma pessoa, que unia todos esses sentimentos construídos
dentro de si, quando dançava, passava confiança. Simples assim.
Aquelas palavras foram os primeiros golpes nesses
sentimentos ruins que me pertenciam. Eu decidi que queria ser mais aquela
pessoa confiante, e que conseguia passar isso pros outros pela forma do corpo (e
por quê não da alma?) de se expressar.
Além de tudo mais, é por essa razão que eu só tenho que
agradecer eternamente a cada pessoinha da Kirinus que ajudou a construir essa
confiança em mim, mesmo sem eu perceber. De verdade. Nem acredito que ainda não
faz 1 ano que estou dançando e já me sinto tão melhor! Obrigada por me ajudar a
mudar. Muito obrigada!
Mas é claro que como qualquer mudança boa, todo dia é uma
pequena luta. Pode ser pra ser mais confiante, para se sentir mais seguro de
si, sentir que é capaz, qualquer coisa que você queria sentir, qualquer coisa
que você saiba que PRECISA sentir.
Não é fácil. Não é de um dia pro outro. Não é sozinho. Mas
cá entre nós, olha eu aqui lutando. Basta se permitir. E o que permitiu isso em
mim foi a dança.
E pra você, vai ser o quê?