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quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O dia que fui pedida em casamento

Era meio da tarde, no final de novembro.

No dia seguinte eu ia apresentar o meu TCC e saia do laboratório daquele jeito que só quem tem ansiedade e sofre por antecipação sabe... Estava nervosa, criando as piores cenas na cabeça, e querendo dormir pra só acordar 2 dias depois.

Foi bem nesse momento, em meio da minha tempestade cerebral, que surge essa pessoa, lá no final do caminho que leva dos departamentos de Matemática, Física e Química até a rua na UFSC. Ela estava com o uniforme de algum colégio que não conheço, a mãe mais atrás com uma mochila de rodinhas na mão, e ela na frente, correndo na minha direção.

Nunca tinha visto ela antes. Não conhecia a mãe. Não fazia ideia de quem ela era. Mas mesmo assim, ela abriu o mais lindo sorriso do mundo quando me viu, deu uma rápida olhada pra mãe, e correu pra mim. Parou na minha frente, abraçou minha cintura com força e olhou pra mim, ainda sorrindo e disse: "Você quer casar comigo?"

Foram apenas 1 ou 2 segundos entre a pergunta dela e a minha resposta, mas nesse ínfimo tempo todo o nervoso que eu estava sentindo, toda a insegurança, todo o medo do incerto do dia seguinte se dissolveram tão rápido e fácil quando o sorriso daquela criança, e eu rindo disse "Claro que sim, sua linda!" Ela riu, me soltou, e correu para um casal atrás de mim, provavelmente pra pedir pra casar com eles também.

Já faz quase 1 ano que isso aconteceu, mas me marcou tanto que eu tinha que falar sobre. Naquele dia eu fui dando risadinhas até em casa, pensando na fofura e na inocência daquela menininha que me parou minutos antes. Ela não teve vergonha de correr dando risada, não teve vergonha de abraçar um estranho, e teve toda a inocência do mundo para falar algo que a maioria dos adultos não tem coragem de falar nem brincando. Aquela simples pergunta, cheia de divertimento, que fazia os olhinhos daquela menininha brilharem, sem ela saber, tiraram um peso ruim de cima de mim e me ensinou mais um pouquinho, do que ao longo dos anos eu já vinha aprendendo com crianças no geral: não tenha vergonha. Não tenha medo. Seja você.

Nós nos seguramos tanto depois de "adultos"... Já percebeu como é difícil pra nós dizermos as coisas como elas são, assim, com a sinceridade de uma criança? Já pensou quantas más interpretações nos bloqueiam de dizer para alguém um simples "Você está muito bonita hoje" ou coisas do gênero? Por que deixamos que essas barreiras sejam construídas com o passar dos anos? Por que nos bloqueamos de fazer o bem para outra pessoa, muitas vezes por medo do que "os outros vão pensar"?
O que aquela menina me mostrou, além de que sorrir é um delícia, foi que a gente sim, tem muito o que aprender com as crianças. E sendo otimista, a gente tem apenas que se lembrar de como era simples, e fazer ser assim: simples.

A gente tem que parar de complicar a vida, de pensar demais, de sobrecarregar o cérebro com coisas que só existem na nossa cabeça. Temos que ser mais como essa menina linda que me parou naquele dia de novembro, e me ensinou a ser leve.

Não tenha medo do julgamento dos outros.

Quer dançar, dance. Quer cantar na rua, cante. Quer sair por aí, saia. Quer dizer algo pra alguém, mas está com medo, diga. Está mais que na hora de pararmos de perder tempo sendo complicados, quando podíamos ser mais felizes sendo simples.

Então vai lá... "pede alguém em casamento" por aí. Deixe o dia de alguém melhor.

Faça ser simples. Seja simples.

Seja criança.


E feliz seu dia! :)

sábado, 30 de julho de 2016

Primeira vez

Foi dia 18 de fevereiro de 2016.

Dia quente, verão... Eu estava voltando do centro e repentinamente, ao desembarcar do ônibus, decidi que era o dia.

Era agora ou nunca.

Eu já sentia vontade de fazer há muito tempo. Queria ter feito antes, bem mais nova... não precisava ter esperado até os 20 anos né... conheço muuuita gente que com 16 já tinha feito... mas pra mim faltava coragem... faltava lugar... faltava momento certo... faltava não ter medo. Mas pensei comigo: "Eu já tenho 20 anos, vou me formar em poucos dias, sou grandinha, sou saudável... vamos tomar vergonha nessa cara que tá mais do que na hora, né?".

Eu tinha medo? Se tinha! Sempre tive... dizem que dói né... Mas eu conheço quem já fez e não sentiu nada... Então pensei "é agora!"

Fiz.

Tive minha primeira vez.

A experiência foi tão renovadora que tive vontade de parar e escrever sobre esse momento já lá em fevereiro, mas acontece que eu fiquei adiando, a vida foi seguindo, veio formatura, veio mestrado, e o fato é que eu já fiz de novo e só agora que resolvi expor! E vou te dizer... a segunda vez foi melhor ainda. Eu me senti bem melhor que da primeira vez, e acho que na terceira vai ser ainda mais fácil.

Doeu? Um pouco...

Tive medo? Já disse, sim... mas só da primeira vez... agora já é tranquilo.

Fiquei incomodada com o sangue? É, de leve... Mas nada muito alarmante. Foi só virar a cabeça pro outro lado, respirar fundo e sucesso! o/

Ter conseguido doar sangue foi uma vitória pra mim. De verdade.

Cresci apavorada com agulhas. Mas assim, A-PA-VO-RA-DA! Fazer exame de sangue sempre foi uma tortura sem fim (e não era porque tinha que ficar terríveis 12h sem comer!!). Diz minha mãe que quando criança eu tive que tirar sangue e a enfermeira que o fez não achava minha veia. A mulher decidiu esperar eu me acalmar e tentar de novo? Nãããão! Ela ficou lá me fazendo de almofada de costureira e acabou me furando incontáveis vezes até conseguir... (Moças e moços queridos que tiram sangue de crianças e/ou adultos no geral, pelamordedeus não imitem essa mulher!! Obrigada.) Traumatizei, assim, de leve. Demorou um pouco até conseguir fazer exame de sangue sozinha, porque antes eu precisava da minha mãe perto... Minha irmã mais nova se oferecia para tirar sangue no meu lugar e eu lá, quase tendo um treco por alguns mililitros de sangue retirados (sempre com agulha fininha especial pra crianças pra você ter uma noção do nível de pânico que me atingia...)

Mas tá, agora pensa comigo: uma pessoa que precisava de agulha de criança pra sentir menos dor, a mãe do lado pra dizer que tá tudo bem, uma maca reservada para eu deitar depois, e que nem podia ouvir FALAR em veias e agulhas e sangues e exames... como que essa pessoa ia doar sangue? Como essa pessoa ia ficar deitada, abrindo e fechando o punho em ritmo constante por uns 15 minutos com uma agulha no braço, sentindo quase meio litro de sangue sendo retirado de ti?

De verdade, eu não sei como essa pessoa, no caso eu, conseguiu isso. Eu tinha medo, muito medo... Eu pedia pros meus amigos irem comigo quando eles fossem, pra eu ter coragem de ir, porque sozinha eu dizia que jamais ia conseguir.

Mas lá em fevereiro a coragem veio... O medo não foi totalmente embora não... quando entrei no banco de sangue eu só faltava me esconder no banheiro! Mas mesmo com medo e suando frio em pleno verão, a vontade de ajudar foi tão forte que eu não demorei muito pra decidir não... Dia 17 no final da tarde eu senti esse "arroubo de solidariedade", dia 18 de manhã eu estava lá, avisando o enfermeiro que sim, eu poderia desmaiar. Sim, eu tinha medo de agulhas, mas sim... sim eu queria doar sangue. E eu consegui. E eu nunca me senti tão feliz na vida. Porque foi algo que eu, somente eu, fiz por mim mesma. Uma das conquistas pessoais que mais me orgulho! E eu decidi que precisava relatar essa experiência porque, se foi vendo meus amigos doando sangue que fez crescer essa vontade de ajudar dentro de mim, talvez ler esse texto seja o empurrãozinho que faltava para você, medroso como eu, conseguir fazer o mesmo.

Então você, que tem medo também, arruma coragem e vai. Se a medrosa aqui conseguiu, você também consegue. Acredite. São poucos minutos que fazem muita diferença na vida de quem precisa. E a recompensa é fantástica. Vale a pena.

E que venham as próximas vezes! 

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Desabafo

Chorei no final do RPM hoje.

Até aí nenhuma novidade... terminava essa aula tão cansada e tão frustrada que eu chorava. Mas fazia umas semanas que eu não chorava mais. Apenas pedalava. E suava. E terminava a aula exausta. E deu.

Mas hoje chorei.

Mas foi um choro diferente. Chorei rindo. Chorei feliz. Chorei realizada.

Mas depois chorei angustiada
.
Chorei a angústia... coloquei pra fora.

Chorei porque lembrei.

Rolha de poço, baleia, gorda. Nunca me chamaram assim. Nunca ouvi as pessoas me chamando ofensivamente por apelidos relativos ao meu corpo. Mas sofria igual. Aos 9-10 anos de idade, tinha menos de 1,50m de altura e uns 60 kg. Era gordinha, fato. Dentro daqueles cálculos doloridos de IMC, era quase obesa. Ou seja, eu estava errada. Fora do padrão.

Mas por que eu não achava isso?

Não via nada de errado. Eu brincava na rua, andava de bicicleta, corria no pega-pega. Tinha dois braços, duas pernas, uma visão boa (não usava óculos ainda)... então não achava que tinha nada de estranho comigo. Eu era maior que as minhas amigas. Tinha mais barriga. O que isso tinha de mais?
Depois dos 10 anos a coisa mudou... a cultura do corpo magro e perfeito me atingiu quando eu só queria brincar de bonecas e correr na rua. As comparações com as minhas amigas foram se tornando cada vez mais forte. Elas, magras. Eu, gorda. A atenção que um corpo magro chamava começou a crescer e minha neurose com o corpo também.
Com 11 anos, eu só queria chorar. Comecei a academia induzida de que ia emagrecer. Isso aos 11 anos! Desisti dela nem lembro mais porque. Mas lembro de odiar 90% do tempo lá. Peguei ódio das aulas de Jump, que só fui largar meses atrás, graças ao lindo do Raul, que me fez enxergar que pular naquela cama elástica só me faria bem se eu quisesse estar lá (o que hoje amo!), e não pelo fato de que, automaticamente estando em cima dela, isso significa que eu era gorda e todo mundo de achava feia.

Além desse tempo na academia que eu odiava, o que mais me marca dessa época, e ainda dói, eram as comparações. Na cara. Como um tapa bem forte. Não sei o que as outras crianças viam na TV na época, se assistiam jornais e as reportagens que passavam... Eu não gostava. E passei a odiar. Cada vez que alguém me chamava para assistir algo na TV, com a dolorida frase "olha isso aqui Sheila, presta atenção aqui um pouquinho", eu sabia o que era. Virou costume. Virou dor. E lá ia eu, prestar atenção nas reportagens... sobre obesidade mórbida. Eu, aos 11 anos, era comparada à obesos. Tinha que sentar no chão, engolir o choro, e assistir aquelas pesquisas, que enquanto o jornalista fala sobre, vai mostrando gente obesa, andando pela rua, sem mostrar o rosto, com índices de mortes e doenças cardíacas. E ainda ouvia, no final da centésima reportagem que via sobre o mesmo tema: "Viu? Tem que cuidar." com uma olhada de cima à baixo.

A sequência dessas "visitas à televisão" eram sempre as mesmas: eu concordava rapidinho, falava que tinha que ir pro quarto pegar uma coisa, e chorava. Chorava baixinho, pra ninguém ouvir. E aprendi a me odiar. Odiar meu corpo. Odiar quem me fazia pensar que eu era igual aquelas pessoas de 180 kg. Acredito em Deus, e era uma boa aluna, o que me fazia implorar, em meio as lágrimas, que Deus me deixasse mais magrinha tirando um pouco da minha inteligência. Não entendia porque não podia ter nascido magra ao invés de esperta. Implorava por isso. Queria ser mais magra. Não ser mais obesa. Queria gosta de mim. Porque, com menos de 15 anos de vida, eu já não suportava viver no meu corpo.

Aos 12 anos, um médico me receitou subtramina. Uma porcaria que me fez emagrecer, e ouvir as pessoas dizendo "nossa, como tu tá bonita agora". Só agora. Porque óbvio, como eu era gorda, eu era feia. Não dá de ser bonita gorda, claro. Na minha mente isso estava claro.

O uso do remédio durou menos de 1 ano. Aquela porcaria começou a me dar alucinações e me deixava fraca. Uma porcaria que abandonei, e que fez com que eu engordasse mais ainda. 13 anos, e de volta ao inferno.

Nessa época meu cérebro já estava totalmente contaminado, com um veneno que ainda hoje, aos 21 anos, não me deixa totalmente livre. Tenho que dizer que nesses anos que se passaram, uma das coisas que mais me salvou foi o vôlei. Se não tivesse começado a jogar, não teria me sentido incluída em algo que me fazia tão bem. Mas mesmo nele eu sofria. Os uniformes eram feitos num tamanho padrão para "pessoas normais naquela idade" e eu tinha que jogar com algo colado. Morria de vergonha, mas a vontade de jogar era maior e eu tentava, em vão, ignorar os gritos e os xingamentos de "gorda, não sabe jogar" que eu ouvia. Pessoas podem ser malvadas com essa idade e em competições, mas acredito que muitos dos xingamentos vinham da minha própria mente, e não de terceiros nas arquibancadas.

Uma parte do meu cérebro aprendeu a me destruir, a falar o que me colocava pra baixo. E essa parte crescia. E acertava cada vez mais. Fiquei assim, odiando a mim mesma 200 dias dos 365 que tem no ano, desde esse tempo até a metade da faculdade, aos 18 anos. Antes disso, mesmo em Floripa, feliz e fazendo o curso que gostava, aquela parte do meu cérebro, forte, destrutiva, conseguia me jogar no chão do apartamento, chorando mais uma vez, cansada do dia todo estudando, lutando comigo mesma pelo fato de não querer ir correr na beira-mar. Chorava por horas, me xingava de preguiçosa, gorda, que ia morrer sozinha, que ninguém nunca ia me amar gorda assim, que não podia mais comer... tudo isso por horas, sozinha, no chão frio, até secar todas as lágrimas e desistir. Passava a angústia, o outro dia parecia mais ensolarado, mas durava pouco. E tudo voltava. E o círculo vicioso da culpa e da raiva de ser eu voltava, assim como aprendeu a voltar desde os 10 anos.

Saindo dos 82kg de caloura, cheguei aos 62kg no início de 2014. Alguns amigos, rindo, perguntavam se eu estava usando cocaína para ter perdido tanto peso. Minha mãe, muito séria, perguntou se eu tinha conseguido a receita pra subtramina mais uma vez. Neguei aos dois. O real motivo é que voltei ao vôlei naquele tempo, e comia pouco. Mas comia muito pouco. Almoçava, comia uma bolachinha, e só ia comer no café da manhã do dia seguinte, jogando vôlei no mesmo dia. Não desmaiava por aquela premissa do "mais sorte que juízo". 20 kg a menos em 1 ano e meio. Saudável? Nem tanto.

Em agosto de 2014, voltando dum congresso aonde comi o tempo todo, e já tendo isso em mente a algum tempo pelas oportunidades que a cidade permitia, decidi entrar na Academia da UFSC. Entrei principalmente para tentar firmar o corpo pós perda de peso, mas também por causa de uma "tal aula de dança que parecia legal". (Quem me vê agora, enlouquecida pelo BodyJam não imagina que faz menos de 2 anos que conheci a minha aula favorita das aulas de ginástica da vida. Valeu LesMills! ) . Os meses de musculação foram me fazendo gostar dessa vida "atlética". Eu então jogava vôlei e ia pra musculação e a aula de dança. E assim foi até as aulas de ginástica serem tiradas da academia, mas com a promessa de que iam ser oferecidas numa nova academia, que ia abrir em janeiro, e que tinha desconto para os alunos da academia da UFSC. E desse jeito eu acabei na Run, em janeiro de 2015.

Em janeiro, eu já tinha passado por algumas transformações internas, e externas também. Do mesmo jeito que quando a gente quer lembrar de alguma coisa a gente deve tentar parar de lembrar que a coisa surge, o fato de eu ter parado de tentar emagrecer me fez perder peso e eu estava mais tranquila comigo mesma. Não, eu não tinha me curado completamente, e mesmo hoje ainda tenho uma parte de mim que me deixa angustiada e com raiva do meu corpo. Mas ela está cada vez menor. Muito disso, nesse último ano e meio, graças ao pessoal da Run. Essa academia que destruiu todo os estereótipo ruim que eu tinha construído anos atrás. Essa família que me recebeu e me atende como se eu fosse a única cliente de lá. Hoje consigo ir feliz para fazer algo que tempos atrás me fariam apenas chorar e me sentir mal. Hoje gosto de ser assim, chata de tanto exercício, chata de tanta academia e papo fitness. Aprendi a amar estar em constante movimento. Nesse um ano e meio, não tenho como não agradecer de joelhos... ou melhor, fazendo uns afundos, ao João e a Helô, assim como cada um que me dá um sorriso quando chego lá, pelo meu estado de espírito atual. João por me aconselhar quando eu chorava de angústia no RPM e a me fazer entender que buscar o corpo ideal não tinha que ser na base do sofrimento, e que desse jeito nem valia a pena. E agradeço a Helô, essa diva maravilhosa, por fazer eu continuar tentando me superar cada vez mais e a chegar aonde estou hoje: feliz. Magra? Ainda não. Satisfeita? Talvez nunca estarei. Mas feliz. Muito feliz.

Hoje, depois de muito tempo, me sinto bem. Graças ao apoio eterno dos meus amigos, que com palavras doces secavam minhas lágrimas, e ao apoio desses profissionais que me cercam, eu estou conseguindo superar meu maior inimigo contra meu bem-estar: eu mesma. A luta vai sempre continuar, porque o fato de eu ser perfeccionista não ajuda em nada. Mas agora a luta é leve. É só uma batalha pequena... não aquela guerra nuclear que estava me matando aos poucos. Agora está mais fácil ser eu, pra mim, e só pra mim. E estou gostando disso. Estou gostando de mim.

E não vou chorar mais.


Só porque chorei no final do RPM hoje.